DESAPROPRIAÇÃO
O PROCEDIMENTO EXPROPRIATÓRIO
Como garantia do direito de propriedade : a exigência do procedimento expropriatório deriva diretamente da CF, que em seu art. 5°, LIV, garante que ninguém será privado de seus bens à mingua do devido processo legal. Deve-se atentar para o fato que a desapropriação configura verdadeira garantia ao direito de propriedade, posto que limita o poder estatal de se apropriar de bens de terceiros, submetendo-o a determinadas hipóteses e condições. Recorde-se, nessa esteira, que o instituto em tela apresenta-se insculpido no inciso XXIV do art. 5° da CF, integralmente dedicado aos direitos e garantias individuais.
MJF professa, contudo, que a desapropriação trata-se apenas de um ato administrativo, o qual, por sua vez, vem precedido de um procedimento, finalizando-o. Informa esse autor – que nesse ponto se vê contrariado por MSZDP e CABM dentre outros – que o ato desapropriatório é aquele que extingue o domínio do proprietário expropriado, fazendo concomitantemente surgir o domínio estatal sobre a propriedade. Tal ato, estende-se, compreende a aquisição, pelo ente público, do domínio originário do bem, de modo que “todas as características e eventuais defeitos inerentes à relação jurídica anterior não se transferem”.
A respeito dessa última afirmação, referente à forma originária de aquisição da propriedade, convergem os entendimentos de MSZDP, LVF e CABM, que lembram que, nos termos do art. 31 do Decreto-lei n° 3.365/41, todos os ônus e direitos que recaiam sobre o bem expropriado ficam sub-rogados no preço (a luz do disposto no art. 26, os detentores de direitos contra o expropriado deverão pleiteá-los em face do ente expropriante, através de ação própria). DG explica que na desapropriação não há qualquer ato de transmissão ou de transferência da propriedade, sendo que apenas “o Estado, compulsoriamente, retira de alguém certo bem ... e o adquire, originalmente, para si ou para outrem”, como se esse bem nunca tivesse pertencido a ninguém..
No mais divergem do citado publicista, afirmando a natureza procedimental da desapropriação, a qual se consuma com a aquisição da propriedade pelo ente estatal, por força do pagamento da devida indenização (antes disso o Poder Público não adquire o bem). Ficamos com este entendimento, especialmente pelo fato de MJF apontar que a “desistência da desapropriação” se faria mediante a revogação do ato expropriatório, antes do pagamento da indenização. Ora, aceita essa tese, seremos obrigados a convir que o autor alude à invalidação da declaração que deu início justamente ao procedimento expropriatório. Assim, de acordo com o seu raciocínio acima exposto, sequer poder-se-ia falar em desapropriação, pois esta se trataria exclusivamente do ato que ultima o procedimento em questão.
Posto isso, devemos vislumbrar, a teor do Decreto-lei n° 3.365/41, que o procedimento da desapropriação compreende duas fases, a saber :
Þ Fase Declaratória : Tem seu início com a DECLARAÇÃO EXPROPRIATÓRIA REGULAR, que indicará o bem a ser expropriado e especificará sua destinação pública ou de interesse social.
Declaração Expropriatória : Far-se-á sempre por decreto do Chefe do Poder Executivo ou pelo Poder Legislativo através de Lei. Inexiste declaração de fato ou indireta. Deverá indicar o bem, especificar o seu destino (decerto que indicando a necessidade ou utilidade pública ou o interesse social) e o dispositivo legal que autoriza a desapropriação.
Esta DECLARAÇÃO somente pode ser emitida pelas entidades políticas (União, Estados, DF e Municípios), cabendo às entidades integrantes da AP indireta, assim como os concessionários e permissionários de serviços públicos, tão-somente executar os conseqüentes atos referentes ao procedimento expropriatório (delegação por lei ou ato administrativo). Exceção feita à Aneel (Lei n° 9.074/95, com redação dada pela Lei n° 9.648/98). Cabe lembrar que quando a desapropriação recair sobre bem público, deverá precedê-la a devida autorização legislativa.
Efeitos da declaração expropriatória : não se confundem com a desapropriação em si mesma, eis que não passa de um “ato-condição” que precede a transferência do bem para o domínio do expropriante. Produzem :
® a submissão do bem à força expropriatória do Estado :
® a fixação do estado do bem (revela suas reais condições, a eventual existência de benfeitorias etc.);
® ao Poder Público o direito de penetraÇÃO no bem - podendo se valer da força policial em caso de recalcitrância - com o fim de fazer verificações, medições, levantamentos topográficos, avaliações e outros tais, desde que não prejudiquem sua normal utilização pelos proprietários (lembrar do princípio da dignidade humana e da existência digna), cabendo aos agentes administrativos atuar com a moderação e sem excesso de poder.. Eventuais danos causados nesses trânsitos gerarão responsabilidade à AP e ao servidor (inclusive no âmbito penal).
A declaração expropriatória caducará (perderá a validade): a) em 5 anos nos casos de utilidade pública; b) em 2 anos nos casos de interesse social. Tais prazos contam-se da data da declaração de utilidade pública ou de interesse social até a data da proposição da ação em Juízo. Expirados esses prazos, ocorrerá, conforme nos apresenta MSZDP:
- no caso de desapropriação motivada por necessidade ou utilidade pública : o Poder Público deverá aguardar um ano para editar nova declaração;
- nas hipóteses de interesse social, inclusive de reforma agrária : não haverá possibilidade de renovação do ato expropriatório, porquanto a lei de regência da matéria apenas previu a caducidade do direito, não lhe prescrevendo remédio algum (conforme STF);
Já as declarações referentes aos processos de urbanização, relacionados ao Estatuto da Cidade, não se apresentariam sujeitas à caducidade, por falta de expressa previsão legal, sendo que idêntica situação se apresentaria em relação aos casos de confisco abrangidos pelo art. 243 da Constituição da República. Até então o expropriante (a AP) não pode dispor do bem ou impedir sua normal utilização pelo expropriado.
Þ Fase Executória : Poderá ocorrer judicial ou extrajudicialmente :
® VIA ADMINISTRATIVA : consubstancia-se no ACORDO entre as partes quanto ao PREÇO. Se imóvel esse acordo deverá se conformar em escritura pública. Nos demais casos instrumento particular servirá a documentar a avença.
® VIA (PROCESSO) JUDICIAL : Segue o rito da Lei Geral das Desapropriações (Decreto-lei 3.365/41), admitindo, subsidiariamente, a aplicação de preceitos do CPC. Particularidades :
- Foro : o do local do bem a ser expropriado. Se houver interesse da União a competência será da Justiça Federal.
- Exame pelo Poder Judiciário : cinge-se à análise extrínseca e formal do ato expropriatório (não adentra o mérito, apenas observa competência, forma, caducidade etc.), admitindo o depósito provisório dentro dos critérios legais. Nesse caso dará prosseguimento à ação, concedendo a imissão de posse. Ao final fixará o valor da justa indenização e adjudicará o bem ao expropriante.
- Petição inicial : deverá obrigatoriamente conter a oferta do preço, cópia da publicação da declaração expropriatória e a planta ou descrição dos bens e suas confrontações. Recebendo a petição o juiz designará um perito de sua escolha para proceder a avaliação do bem.
- Contestação : só poderá versar sobre vício do processo judicial ou impugnação do preço (demais questões deverão ser discutidas por vias outras : “ação direta”, nos termos do art. 20 do DL 3.365/41).
- Efeitos da Decisão : ver art. 28 do DL 3.365/41.
DECLARAÇÃO DE URGÊNCIA E IMISSÃO PROVISÓRIA DE POSSE: a transferência da posse do objeto da desapropriação pode ocorrer, conforme esclarece CABM, no início da lide, desde que o expropriante declare URGÊNCIA e proceda em juízo ao depósito de importância fixada em lei em favor do proprietário.
A Urgência deve ser declarada já no ato expropriatório, ou ainda subseqüentemente (consoante jurisprudência dominante), ficando, nesses casos, sua aceitação vinculada ao requerimento da imissão de posse dentro de 120 dias de sua alegação, sob pena de caducidade. Não há possibilidade de renovação. MJF aponta para questão bastante interessante, lembrando que pelo fato da imissão de posse não retirar o domínio do expropriado, vem assim a configurar uma restrição a ser indenizada. Defende, pois, que além do valor do bem, que ao final deverá ser pago a título de indenização pela desapropriação, ainda caberá o pagamento pela utilização do bem pelo período iniciado com a posse e finalizado pela extinção do domínio.
Imissão definitiva na posse : só se dará, em qualquer caso, após o pagamento integral do preço, conforme fixado em acordo ou na decisão judicial final, que transferirá o domínio (aquisição originária, conforme inicialmente discorrido) com todos os seus consectários. Imperioso observar que por vezes tratar-se-á de medida de pouca relevância, posto que desde a imissão provisória na posse o expropriante aufere todas as vantagens do bem, que cessam por completo em relação ao expropriado (como também, por outro lado, todos os encargos, inclusive tributários).
· OMISSÃO DO PODER PÚBLICO NA DESTINAÇÃO DO BEM EXPROPRIADO: poderá ensejar :
> Anulação da desapropriação : a anulação será, na verdade, do ATO EXPROPRIATÓRIO, a ser obtida através de “ação direta” (art. 20 do Decreto-lei nº 3.365/41 – termo designativo de qualquer via), nas mesmas condições em que a Justiça anula o demais atos administrativos. A ilegalidade na desapropriação poderá ser tanto formal (incompetência, falta de forma legal) como substancial (desvio de finalidade ou ausência de utilidade pública ou de interesse social, configurando abuso de poder).
Conformam-se os casos de TREDESTINAÇÃO ou TRESDESTINAÇÃO (desvio de finalidade) quando o bem desapropriado para um determinado fim é empregado em outro sem utilidade pública ou interesse social. Aqui deve ser levado em conta tão-só se a destinação do bem expropriado terá ou não finalidade pública, não havendo nenhuma irregularidade se determinado imóvel, desapropriado para receber uma escola pública, for utilizado para sediar um pronto-socorro também público. Já não poderá ser alienado para uma empresa particular para que nele seja construído um pronto-socorro ou uma escola particular.
A anulação ainda poderá ser perseguida por meio de ação popular (intentável por qualquer cidadão), em havendo prejuízo ao patrimônio público ou ferida a moralidade administrativa. A ação anulatória contra a Fazenda Pública prescreve em 5 anos (como as demais de natureza pessoal), mas se, ajuizada tempestivamente, vier a ser julgada posteriormente à incorporação do bem, resolve-se em perdas e danos (art. 35 do Decreto-lei nº 3.365/41).
Ø Retrocessão : é “o direito que possui o expropriado de exigir de volta o seu imóvel caso o mesmo não tenha o destino para que se desapropriou” (MSZDP), certamente mediante a devolução ao Poder Público do preço recebido cabível. O art. 519 do vigente Código Civil não previu essa possibilidade, tendo simplesmente conferido ao expropriado o direito de preempção ou preferência, que se resume no privilégio de receber em primeiro lugar a oferta para a aquisição do bem desapropriado, pagando o seu valor atualizado, caso o Poder Público não lhe der destino apropriado. Ocorre que o descumprimento da correspondente obrigação pela Administração resolver-se-ia apenas em perdas e danos, não garantindo, como assinala CABM, o retorno do bem ao seu antigo proprietário.
Tal procedimento, enfatiza essa autor, viola frontalmente o direito individual de propriedade, que somente e excepcionalmente pode ser sacrificado em face de um efetivo e relevantíssimo interesse público. Nessa linha, inexistindo tal interesse, nada justificaria a manutenção do bem no patrimônio estatal, devendo a lei (uma vez que o art. 35 do Decreto-lei n° 3.365/41 informa que os bens incorporados ao patrimônio público não são objeto de reivindicação). quedar-se à superior norma constitucional.
Por derradeiro, garante esse publicista que nesse sentido vem se orientado a jurisprudência do STF, garantindo aos expropriado o direito de reaver o seu antigo bem, nos casos em apreço. Segundo doutrina dominante, a verificação da utilização do bem conforme o pressuposto invocado à sua desapropriação deve ser feito caso a caso, consoante evidências concretas e ponderáveis.
· Desistência da Desapropriação : como posto acima, somente é possível até a incorporação do bem ao patrimônio do expropriante, ou seja, para o bem móvel até a tradição, e para o bem imóvel até o trânsito em julgado da sentença ou o registro do título resultante de acordo. Em ambos os casos, porém, antes do pagamento da devida indenização. Após esse ponto os efeitos da desapropriação já exauriram, somente cabendo a retrocessão. A desistência da desapropriação ocorrerá com a revogação do ato expropriatório (decreto ou lei) e a devolução do bem ao seu proprietário, o que acarretará a invalidação do acordo ou a extinção do processo. O expropriado não poderá se opor à desistência, mas sim exigir ressarcimento dos prejuízos suportados com a expropriação iniciada e não concluída. HLM aponta a jurisprudência dominante no sentido de não permitir a devolução do bem se esse não mais apresentar as características que possuía quando expropriado.
· DESAPROPRIAÇÃO INDIRETA ou APOSSAMENTO ADMINISTRATIVO : trata-se do mero apossamento fático de determinado bem pela AP, sem a observância do procedimento legalmente fixado. Constitui, pois :
® mero ato de esbulho contra o qual o proprietário pode opor-se até mesmo com interditos possessórios;
® casos em que houver tolerância do particular ou retardamento das cabíveis medidas de retenção da posse : tratando-se de apossamento consumado (que ocorrerá, segundo MSZDP, quando a AP der destinação pública ao bem, realizando uma espécie de afetação tácita), dá-se a integração do bem no domínio público Tal inobservância do procedimento legal expropriatório, nos casos em exame, tornam os bens apossados insuscetíveis de reintegração ou reivindicação, restando ao espoliado mero direito de indenização (inclusive correção monetária, juros, honorários advocatícios);
® não havendo o particular pleiteado a indenização no prazo hábil, deixando prescrever seu direito, restará ao Poder Público promover, para regularizar a situação do imóvel, ação de usucapião.
MJF reage asperamente contra essa espécie de prática, que reputa inconstitucional e criminosa, devendo sempre gerar a restituição do bem ao proprietário, acompanhada da indenização por perdas e danos, e a punição exemplar dos responsáveis pela ilicitude. Amenizando esse quadro, Manoel de Oliveira Franco Sobrinho refere-se à desapropriação tácita, que ocorreria no legítimo afã da “satisfação de planos de interesse público geral, comunitários, do interesse de grupamentos sociais ou coletividades. Esta modalidade de desapropriação, segundo o autor, “não tira a propriedade particular, porém de alguma maneira se a ocupa, indenizando danos conseqüentes.”.
Þ desapropriação por zona : previsto pelo art. 4° do Decreto-lei 3.365/41. Referente às áreas contíguas à obra ou serviço, e assim sempre maiores que as necessárias às suas realizações, as quais servirão:
a) ao posterior desenvolvimento da obra ou serviço iniciado, ou,
b) à valorização, em decorrência do próprio projeto, com vista ao seu repasse a terceiros, objetivando a obtenção de recursos financeiros em favor do Poder Público.
A declaração de utilidade pública haverá de distinguir e especificar as zona excedentes que serão utilizadas para o serviço público e para futura alienação. CABM apontam essa alternativa como inconstitucional, porquanto cogita que a Constituição da República já tenha previsto o instituto da contribuição de melhoria (art. 145, III) como instrumento de “para captar a valorização obtida por meio de obra pública, não podendo o Poder Público, pois, violar o direito de propriedade individual na busca de idêntico intento. LVF confessa que tendo anteriormente acalentado essa mesma opinião, dela veio a se separar em face da vigente CF, pois enquanto garantidora dos direitos coletivos e difusos e assim, explicitamente, da função social da propriedade, legitimou a utilização do telado mecanismo. Nessa esteira, MSZDP informa que a desapropriação por zona é pacificamente aceita em todos os Tribunais pátrios.
Interessante o posicionamento de MJF, que informa consistir dever do Estado o aproveitamento das oportunidades empresariais conexas ou acessórias às suas atividades, Sob esse ponto de vista, prossegue, a desapropriação por zona conforma-se no instrumento jurídico que permite ao Estado promover a solução dotada de maior eficiência econômica. Essas oportunidades econômicas, se porventura desprezadas pelo Poder Público, serão desfrutadas pela iniciativa privada, o que, na óptica do autor, corresponde à “negação dos imperativos da democracia republicana”. Na mesma linha aparece DG, que aduz que essa forma de expropriação é muito utilizada na Inglaterra, França e Itália.
Þ Direito de Extensão : socorre ao expropriado para exigir a desapropriação total do bem, a fim de não deixar frações inúteis, inaproveitáveis ou de difícil utilização. Esse direito está expressamente reconhecido no Decreto Federal 4956/03. A Lei 4504/64 consagrou-o expressamente para a reforma Agrária (art. 19, § 1°). HLM assevera que para usufruir desse direito o expropriado deverá manifestar seu desejo no acordo administrativo ou na ação judicial, não podendo pleiteá-lo ao término da desapropriação.
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